quinta-feira, novembro 10, 2005

Menino-morcego: Out-door móvel do descaso

Sinto um misto de vergonha, pena, raiva e impotência quando vejo garotos morcegando nos ônibus da cidade. Ontem pela manhã vi duas cenas em horários diferentes que me remeterem a estes sentimentos.

Primeiro, logo de manhãzinha, três garotos entre 6 e 8 anos, não mais que isso, sentados na calçada da Secretaria de Finanças esperavam o sinal sonoro para pegarem carona num ônibus.

Dois deles, esconderam-se debaixo do veículo em algum vão que devem conhecer bem e o outro dependurou-se detrás, equilibrando-se de modo precário.
Cheiravam cola e às 08h00 em pleno centro da cidade.

Quando voltava para casa, na hora do rush, um coletivo apressado subia a avenida Floriano Peixoto com outro garoto agarrado na lataria do ônibus, assemelhando-se a um morcego.

As cenas me fizeram lembrar que na época em que eu era criança não existiam tantos "morcegos" assim e os que se aventuravam nesta escalada mortal geralmente eram maiores de 12 anos.

Vejo que esta pecocidade degradante parece querer nos chamar a atenção e dar um recado que muitos ainda preferem empurrar para debaixo do tapete, afinal os filhos da classe média não morcegam.

Mas o que haverá por trás disso, dessa falta de noção do perigo, no que os familiares destas crianças erraram, no que nós erramos em observar impotentes este espetáculo caótico?

São crianças, ainda. Cruéis, violentas, abandonadas, rebeldes, mas crianças!

E o que podemos fazer para resgatá-los?

O que dizer para um menino-morcego para tentar diassuadi-lo de suas acrobacias mortais? A maioria morcega por prazer e não para de se deslocar.

Todas as vezes que vejo algum menino morcegando fico pensando no que dizer, no que fazer e como sempre, não digo nada, não faço nada.

Será que se chegasse em tom maternal pedindo para não fazer aquilo pelo seu bem, se falasse em nome de Deus, da beleza da vida e do futuro que tem pela frente adiantaria?

Desisto. Que menino-morcego compreende o sentido de palavras como beleza, "Deus" ou "futuro"? Suas feridas são crassas e nenhuma palavra consegue tocá-los.

E se optasse por um tratamento de choque? Se puxasse pelas suas orelhas e toda vez que alguém visse um morcego, lhe desse uma surra, daquelas que nossos pais contavam ter apanhado dos seus antepassados?

Inútil. Apesar da linguagem da violência e da pancada ser mais familiar a eles, reprimentadas soam como incentivo.

O que fazer então?

Tentar esquecer e esquecer de fato até a próxima cena, deixar que os meninos-morcegos se proliferem na auto-destruição, assistir impotente a um dos sintomas extremos da desigualdade social?

Os meninos-morcegos são uma espécie de homens-bomba, prontos para explodir. São o resultado da desestruturação familiar, da fome, da promiscuidade, da violência, das drogas, da falta de planejamento familiar, da falta de compromisso das políticas públicas, da corrupção.